A Beleza da Culpa Cristã, e o seu Tormento.

 




"Mãezinha, minha queridinha, dizia ele (tinha começado a usar aquelas palavras tão  simpáticas e inesperadas), minha pombinha querida e alegre, fica sabendo que, na verdade, cada um tem culpa perante todos, por todos e por tudo..." (Irmãos Karamázov Volume I, pg. 362). 

O que há de tão belo nessa passagem, que nos faz olhá-la com admiração? Talvez seja o fato de haver aí um coração resignado, submisso e compassivo, capaz de carregar um fardo considerado pelo indivíduo secular bastante pesado. Por quê o mundo desconhece esse ensinamento, e é incapaz de segui-lo? Porque está impregnado até o âmago de amor-próprio, e egoísmo. 

Antes de discutirmos e edificarmos a culpa pregada por Cristo, vamos entender o que é a culpa, e seu sentido para o indivíduo mundano. Culpa antes de mais nada significa responsabilidade. Daí se segue que um indivíduo considerado culpado é causa primeira do ato perpetrado. Dizemos que alguém é culpado na medida em que pode ser responsabilizado pela ação. No entanto, culpa também é dívida. Se alguém age em prol de um bem maior, essa pessoa não é considerada culpada, e sim, responsável. Mas se é culpada, ela ao mesmo tempo é responsável e está em dívida. Nesse sentido, o que o mundo entende por culpa é nada mais nada menos do que o alcance direto da própria ação. Se alguém comete uma falta contra outrem, considera-se culpado pelo dano causado a esse indivíduo em especifico. Se ela conseguir encontrar os motivos profundos da ação que cometeu, talvez ela minimize sua responsabilidade, pois pode entender que algo externo condicionou seu ato. Por exemplo: alguém que age com violência, pode, posteriormente, vir a saber que fez o que fez porque sofreu violência a vida toda, nesse caso, ela não é responsável, pelo menos não completamente. Vemos aqui que no mundo a culpa pode ser minimizada em dois sentidos, no primeiro, ela só é falta perante uma única pessoa, e segundo, quem agiu não é completamente responsável. Mesmo nos casos em que se age contra muitas pessoas, o mundo só irá considerar a responsabilidade e a falta diante deles. Eis a imperfeição do conceito de culpa do mundo, ele não é totalizante, e nem absoluto. Mas e a culpa Cristã? Vejamos. 

"Porém ele estava sofrendo por causa dos nossos pecados, estava sendo castigado por causa das nossas maldades. Nós somos curados pelo castigo que ele sofreu, somos sarados pelos ferimentos que ele recebeu". (Isaías 53: 5). A diferença reside no fato de que a culpa experimentada pelo mundano é parcial, e a do Cristão é total; eis a beleza e o tormento. Entendemos que é atormentador, porque assumir a culpa é sofrer às consequências, contrair uma dívida. Mas por quê é belo? O que há de admirável nisso? Porque é uma expressão sublime do amor, um amor que escolhe abdicar de si em prol do todo; não me é vantajoso assumir algo que não fiz, mas traz harmonia para o mundo, e por isso é belo e nobre. Seguir a Cristo significa querer viver como Ele viveu, e amar como Ele amou; e ele nos amou profundamente quando decidiu carregar os nossos pecados. É amor porque amar é cuidar, e cuidar é um ato de doação, estar aí para o outro, ser-para-ele.  O amor Cristão é o amor da responsabilidade, de entender que o nosso pecado é o pecado do outro, mesmo que não o atinja diretamente, mesmo que aparentemente não estejamos em falta para com ele. Por isso é o amor perfeito. A culpa de Cristo é o desejo pela harmonia do Todo, a culpa do mundo é o desejo de harmonizar uma parte, a que lhe interessa. 

Essa culpa não deve ser para livrar o outro do mal que ele perpetra, como se o outro não tivesse cometido nada; sim, ele agiu de maneira ímproba por nossa causa, e devemos ajuda-lo a se reerguer, não o livramos de sua responsabilidade quando assumimos nossa culpa, nós apenas nos tornamos responsáveis. O que há de tão sublime no segundo mandamento (Mt 22:39) é que o amor dado ao próximo é o amor de Deus, é a vontade não de fazer o que o nós queremos, mas de fazer Deus quer, e Ele quer que amemos o outro; que sejamos responsáveis por todos, tanto pela queda deles, quanto pela sua restauração. 

O amor de Cristo se exprime por meio da culpa, e a culpa é uma expressão do cuidado, resignação, e compaixão (ágape) de Cristo para conosco. Se assumir responsável é desejar a harmonia do Todo; é querer não mais pecar, deixar o Espírito Santo agir em nossa vida e, consequentemente, agir na vida dos outros por meio do Espírito Santo. Não assumimos responsabilidade para livrar os outros de sua culpa, mas para reconhecer a nossa, e desejar ação semelhante dos outros, porque apenas assim será possível a verdadeira comunhão, que é a comunhão com Cristo Jesus.

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